sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Sou uma gaja cheia de sorte

As pessoas afivelam uma máscara, e ao cabo de alguns anos acreditam piamente que é ela o seu verdadeiro rosto. E quando a gente
lha arranca, ficam em carne viva, doridas e desesperadas, incapazes de compreender que o gesto violento foi a melhor prova de respeito que poderíamos dar.
(Miguel Torga)

Há alguns dias atrás, dei por mim dentro de uma cena hilariante. Estava num restaurante quando um homem meio torto, a andar de lado, com uma mão pendurada à cintura e outra sempre a mandar o cabelo para trás me disse: Queridáaaaaaaaa! Eu sou cabeleireiro. Corto cabelos! Deixe-me cortar o seu cabelo. Olhe, ia ficar linda linda linda linda, lindaaaaaaaaaaaaaa! E eu de queixo caído, continuei em silêncio. E ele continua: Sabe porquê? Sabe porque é que eu lhe quero cortar o cabelo? Pousa a mão no ombro de um rapaz que estava lá perto e diz: Para que gajos como este a comam. Nesse momento pensei que estava a sonhar. Que tinha uma mente maquiavélica e que ela estava a inventar toda esta cena. Até que lhe disse: Como? E ele repetiu: Sim, comer. Para a comer. Depois das últimas na minha vida, eu achei que aquele homem tinha caído do céu para me fazer rir. E rir mesmo às gargalhadas. Porque ele pensou e disse. Foi ordinário e completamente descabido (também estava bêbado), mas foi genuíno. Disse sem filtros o que lhe estava na cabeça. A rapariga que estava com ele, tentou aligeirar a situação, mas ainda a piorou. Piorar no sentido de ser absolutamente surreal. Disse-me que ele é mesmo assim, mas que era uma excelente pessoa. E nisto ele dá-lhe umas palmadinhas no rabo. Sim, ali mesmo à minha frente. Responde ela num brasileiro muito meloso: Oi, foi 12000euros mas o rabo é meu! Ainda me disse que era artista e que tinha um programa de televisão e blá, blá blá... palha que fui deixando de ouvir enquanto mudava de sala, com as lágrimas a cairem-me da cara de tanto rir.
E onde estou eu a querer chegar com esta história? À moral de "quem vê caras, não vê corações". Há outro tipo de pessoas, que de fato bem engomado, ar sério, compenetrado e honesto, mentem muito mais. Eu sempre achei e agora confirmo, que quem é desconfiado é porque não é de confiança. Que quem morre de ciúmes é porque tem medo que lhe façam o que são na verdade capazes de fazer. Desconfiar de quem jura a pés juntos pelos filhos, pais, pela própria vida, ou pelos piriquitos e afins.
O que será melhor? Um homem que diz de forma parva tudo o que pensa? Ou o outro que de tão bom comportamento esconde uma outra e obscura personalidade?
Este pensamento ocorreu-me mal deitei a cabeça na minha almofada. Que eu embora triste, sinto-me bem com o que sou. Quase que aposto, que mesmo tirando a bebida, que o homem do restaurante se sente mais leve ao deitar a cabeça na almofada, tal como eu, livre de qualquer peso na consciência e sem medo deno dia seguinte acordar com outra qualquer máscara enfiada na cara. Logo e em modo de título e conclusão: Sou uma gaja cheia de sorte!

3 comentários:

  1. Bem, essa cena foi mesmo surreal. E mais vale rir do que imaginar a tua barraca no restaurante:P

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  2. Também sou um sortudo...durante algum tempo consegui ser o que realmente sou!..esse tempo acabou, é certo!...agradeço cada minuto desse tempo a quem foi capaz de me desvendar e tirar a máscara que agora me colocam de novo.

    R, disfruta dessa sorte!!

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  3. "Que quem morre de ciúmes é porque tem medo que lhe façam o que são na verdade capazes de fazer." Gostei muito do post, mas quanto a este aspecto só posso dizer, olhe que não, olhe que não.

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