quinta-feira, 4 de março de 2010

Ser mãe (em Portugal)

"A nível da família, constato muitas vezes uma diminuição do prazer dos adultos no convívio com as crianças: vejo pais exaustos, desejosos de que os filhos se deitem depressa, ou pelo menos com esperança de que as diversas amas electrónicas os mantenham em sossego durante muito tempo. Também aqui se impõe uma reflexão sobre o significado actual da vida em família: para mim, ensinado pela Psicologia e Psiquiatria de que é fundamental a vinculação de uma criança a um adulto seguro e disponível, não faz sentido aceitar que esse desígnio possa alguma vez ser bem substituído por uma instituição como a escola, por melhor que ela seja. Gostaria, pois, que os pais se unissem para reivindicar mais tempo junto dos filhos depois do seu nascimento, que fizessem pressão nas autarquias para a organização de uma rede eficiente de transportes escolares, ou que sensibilizassem o mundo empresarial para horários com a necessária rentabilidade, mas mais compatíveis com a educação dos filhos e com a vida em família."
Daniel Sampaio in Público

Quando decidi que queria ser mãe soube nesse mesmo dia que no futuro iria ter de abdicar de algumas (muitas) coisas a nível profissional. Quando decidi ser mãe, decidi que nunca iria colocar o meu emprego à frente dos interesses da minha família. Mas abraçar esta decisão foi aceitar que a partir desse dia, eu nunca mais iria ser considerada uma profissional competente. Porque no nosso país confunde-se competência com quantidade de horas de trabalho. Confunde-se ser-se prestável, com a quantidade de jantares e eventos sociais da empresa em que se participa. Fica sempre mal, pedir horário reduzido, ou declinar um convite para jantar com o chefe. Fica sempre mal, escolher-se os 5 meses de período de licença de maternidade. Pedir-se horário contínuo. A partir do dia em que se é mãe, deixamos de ter qualquer tipo de reconhecimento profissional se optarmos por beneficiar dos nossos direitos. É triste ( é claro que existem excepções... poucas mas existem).

Eu decidi que iria continuar num emprego mal remunerado, mas que me permite chegar às 10H00 e sair às 18H00. Emprego esse que me permite acompanhar a minha filha nas suas rotinas diárias de banhos e jantares. Depois para não abandonar o meu sonho de me sentir profissionalmente realizada, começo um outro trabalho pelas 22horas até à meia noite, uma da manhã... e por ai fora.
Muitos dias fico revoltada por viver no país que vivo. Por justificar o ter de trabalhar de noite, por estar aqui todos os dias num sítio que abomino e onde não tenho condições... Digo encolhida quando tenho de ir a alguma consulta, ou alguma reunião no colégio dela. Que são sempre às 18H00. Telefono com medo, quando tenho de ficar em casa porque ela está doente. Desculpo-me, desculpo-os. Arranjo desculpas todos os dias e aceito o inaceitável de boca calada.

Escolher no nosso país, ser uma mãe que se dedica aos seus filhos, é escolher ser inferior aos olhos dos outros.
É mesmo assim. Sou inferior. Dedico tempo à família e isso não é trabalho remunerado.

Mas a minha escolha é uma escolha de coração. É uma escolha que nem devia de ser escolha (mas é!). Escolho ser mãe. E ser mãe faz de mim a mulher que sou.

Com muito orgulho.

8 comentários:

  1. Como te entendo...
    Revi-me em cada palavra que escreveste!

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  2. tal e qual, incluindo na parte do ter 2 empregos

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  3. Ainda não sou bem, mas sei bem do que falas.
    Infelizmente (a nível mental) ainda não evoluímos nesse ponto. Há que aceitar e acima de tudo não pensar no que os outros pensam. Se é preciso ficar em casa com eles doentes, fica-se. Se é preciso faltar, falta-se.
    O mais importante é vivermos de bem com a nossa consciência. O Estado devia pagar-nos para termos filhos. Mas pagar bem. Porque não há dinheiro nenhum no mundo que pague um bom acompanhamento dos pais. Que na maioria dos casos não podem abdicar, porque precisam do dinheiro para alimentar/educar os seus filhos. E tantas vezes sabe deus com que dificuldades.
    Eu tambem escolho. De coração.

    Beijo Grande

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  4. Embora não abdique do meu trabalho, que também me ajuda a que me sinta completa, a prioridade é a minha filha. Não me passa pela cabeça não ser eu a educá-la. De vez em quando tenho que viajar em trabalho, mas compenso noutras alturas, porque também tenho total abertura no trabalho para a acompanhar no que é preciso. Nunca me disseram nada das consultas, nem das doenças, nem nada que se pareça. Quando estou a trabalhar estou ali, e faço o que tenho a fazer nas horas estipuladas. Depois sou mãe. E acho que a minha filha é feliz.

    É por seres e pensares assim que eu gosto de ti.

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  5. O Dr. Daniel Sampaio é muito utópico. E vê-se logo que é homem. "Sensibilizar o mundo empresarial" então é de rir até às lágrimas, não fosse tão triste e desse mesmo vontade de chorar. Da tua escolha, que é a de nós todas, sei que não te vais arrepender!

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  6. Tanto que havia a dizer sobre isso... concordo aqui com a minha homónima de cima! Sensibilizar a classe empresarial!!! É mesmo o que vai acontecer, de certeza. O ESTADO é que tem que legislar sobre essas coisas, e mesmo assim só resolve uma pequena parte, porque a mentalidade mantém-se à mesma e quem reinvidica cumprimentos de leis está tramado. Mas pelo menos os funcionários público usufruem dos direitos todos e mais algum. Sempre são uns milhares que ficam mais satisfeitos. (sim, sim que congelamento de salários também eu tenho há 3 anos e não faço greve). Como alguém me disse há tempos (alguém da tal classe empresarial) essas coisas "discutem-se debaixo do pano". é o truque para viver e vingar neste país: fazer o máximo possível debaixo do pano!

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  7. Posso assinar por baixo (excepto a parte dos dois trabalhos que não tenho)?
    Bj grande
    (e lá está, eu nem me posso queixar!)

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  8. Mais uma que se revê em quase tudo no teu post!

    É que, nem mais!

    :*

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